ano: 2020


Borboleta iludida

Os teus olhos escondem diamantes
Nas retinas com olhares mortais
Que arremessam flechas ofuscantes
Como se fossem notas musicais!

A lua cheia, num mar de euforia
E eufórica rotação constante
Faz uma escura noite ser dia
E o amoriscado, coisa ofegante.

O coração, de cego, então insiste
No timbre perfeito, que não existe,
Como se o amor lhe desse a mão.

Mas tal como a borboleta iludida,
Que tão curto é seu ciclo de vida
Como o fado duma breve paixão!

Amor é antítese

Amo-te porque não sei bem porquê!
Talvez este não sei das quantas amor
Nos veja como quem não sei como vê
Em nós, um vaso a casar c’uma flor!

Amo-te sei lá de que maneira e como,
Se as noites em que te quero amante
São dias em que não sei se nos tomo
Por coisa sólida ou por alarmante!

Amo-te assim e não sei por que raio
Te quero desta invulgar maneira,
Em que não sei se do amor ensaio

O hastear d'alguma bandeira!
Amor é antítese. O amor é assim:
Ora diz que não! Ora diz que sim!

Amor, desalento e solidão

Queria, quem já não me quer seu,
Que por sua vez não quer ninguém
E quem me quer eu rejeitei também
Por não ser de quem não é meu!

Quantas portas ao amor não dei?
De o querer, quantas se fecharam?
Quantas solas e aparas se gastaram?
Quantas ruas e poemas atravessei?

Mas que desalento chato e redondo,
Que se o tento cantar a um canto,
Ele não os tem e eu lá vou pondo

Nós engasgados num calado pranto!
Não podendo ao amor cantar então,
Vou indo e dando, espaço à solidão.

O poeta é que sabe!

Ele é dono do que num poema cabe:
Belicosas metáforas ou não, ou então
Atalhos, fina ortografia ou alto calão!
O poeta é dono! O poeta é que sabe!

Enquanto um poeta tem de a sentir,
Um tolo tem de a perceber e explicar!
Poesia é como o rio, a chuva e o mar,
Há que molhar pés para depois sorrir!

Tanta tola criatura que uma razão dá
À poesia que lê, e diz que ela requer
Um preceito, que por vezes não há!

Enquanto versos o poeta compuser,
Ilustre e tola gente nunca entenderá
Que poesia, é o que o poeta quiser!

Tenebrosos segredos

São noites cálidas, escolhidas a dedo
Em que a lua curiosa, depois floresce,
Porque enxerga o tenebroso segredo
Nosso, e que o mundo desconhece!

Somos tal avidez e vontade cobiçada,
Como culpados que imploram perdões,
Enquanto carne fraca é entrelaçada,
Comungando sigilo e firmes ereções!

Ó tempo, reduz à noite a velocidade,
Pra que entre o pôr e nascer do sol,
Todas as ganas e sedes da saudade,

Sejam acolhidas por baixo do lençol.
Ó tempo, sê nosso amigo e amante
Até c'o dia brote e luz se levante!

“Casas comigo?”

És um oceano salgado e proibido;
Um cabo bojador de contradições;
Um grito vão, um choro reprimido,
Que me leva a um mar de emoções!

Se bravura fosse condição minha
E dela não ficasse sempre aquém,
Dar-te-ia o mundo numa caixinha,
O céu, o sol, a lua e mais além.

“Casas comigo?” era o que eu então
Diria, pra que percebesses que tu
És a fonte da minha inspiração!

E deste modo encabulado e cru,
Eis-me aqui entre caneta e papel
A oferecer-te um improvável anel.

Tertúlias amigadas

É sexta-feira! Dia de múltiplos debates!
É dia do coito solteiro e da mal casada,
Dos arfares gemidos e dos chocolates,
Da transa colorida e do sexo camarada!

Carrego em mim esta amizade cravada,
Que reparte comigo um apreço colorido
E no entanto, não queremos mais nada
Que vá além do que até agora tem sido.

Cacete e limões assim, quem os tem?
Tertúlias exuberantes, quem as dá?
À meia dúzia e ligeira, quem se vem?
Peitos ilustres lusitanos, onde os há?

O primeiro amor

Antes de tudo e todos, vem o primeiro
Encanto, beijo, paixão, ou amor talvez,
Uma flor que se dá ou não por inteiro
Ou o primeiro amor ou a primeira vez.

Pousa a borboleta na flor de um jeito,
Que no mel de seu ventre faz encosto,
Como o tolo coração, que fora do peito
Bate, antes de lhe bater um desgosto.

O primeiro beijo é tépido e desajeitado,
A prima paixão, tonta e sem medida
E a primeira vez é um céu estrelado!

Nada é eterno! Tudo é início e partida.
E o primeiro amor dura só um bocado
Até vir o primeiro desgosto da vida.

Profetas Papaloni

Certas tolas manadas de burlados credores
Carregam profetas ilusionistas em andores
Que amestram uma tal curvada humanidade
Num certo pasto d’uma reles fraternidade!

Dizem cuidar d’um tal rebanho espremido,
Da ovelha que lá foi e não devia ter ido,
Como a que não sabe por onde tem andado:
Se submissa, a pecar ou a roçar o pecado.

Papaloni é ser um tal pastor engenheiro
De questionável fé e duvidosa salvação,
Que através de um tal medo aduaneiro,

Cobra ao mundo uma certa contribuição,
Porque uns dão um desatento dinheiro
A uma irmandade atenta à desatenção.

Amo-te assim!

Amo-te assim, como o fogo ama arder
E arremessar calor e luz do seu ninho;
Quero assim como ele, amar-te e morrer
Contigo e assim arder devagarinho.

Amo-te assim meu amor, e lá mais adiante
Quando formos pó, poeira e coisa nenhuma,
Debaixo da terra, serei teu amigo e amante,
Serei teu mundo, até que ele nos consuma.

Amo-te assim, tão-só e simplesmente,
Que tão certo é Deus ser fé e piedade
Como a minha boca que não te mente

Ou estrelas e astros terem gravidade!
Perca eu a voz, o chão e tu e de repente,
Se este soneto não é, todo ele verdade.

O céu, o inferno e uma história

Antigamente
Éramos unha e carne;
Bebíamos tudo do mesmo copo,
Suores, lágrimas e um afável vinho;
Eras a totalidade de todas as coisas,
Eu era o teu universo
E todas as gravidades
Nos puxavam à nossa cama;
Palavras eram plumas que voavam,
Quando não se estavam a beijar;
Éramos provação e teoremas
E tu lias os meus poemas
Que eram todos para ti;
Rezávamos a Deus, que nos deu
O infinito, um lar e asas, e assim
Íamos em parelha à mercearia
Flutuando como passarinhos;
Era no tempo
Em que Deus respondia a orações
E prometia o céu e uma história.

Anos escarpados depois…
Somos garras que ferem carne;
Cada um tem o seu copo
Por onde bebe a retaliação do outro;
A totalidade de tudo o que éramos,
Esfumou-se no universo
E todas as gravidades
Nos afastam dos nossos centros;
Palavras são agora
De arremesso ou caladas;
Desaprendemos o perdão,
A paciência, a cumplicidade e a beijar;
Somos pétalas caídas de uma flor
De um poema que cheira a bafio;
Já não há mercearias nem passarinhos,
Só corvos, a depenarem-se uns aos outros,
Como nós.
Ainda rezamos, mas em vão!
Deus desistiu, como nós, de ambos.

Mentir o amor

A mentira severa que dura
Engana a boca que a profere!
É lobo sem lei nem bravura!
É cordeiro em pele de engodo
Que a todos dor confere.
Vai cavando a sua sepultura
E conspurcando de mágoa,
O algodão que tinha no princípio.
A língua ensanguentada
É limpa depois com tintura,
Pra desinfetar culpas e aflição!
E nas entrelinhas do seu errar,
Vai pedindo ao amor,
Perdão!

Mentir,
Quem não usou já dessa pomada?
O problema da mentira
É a sua incontinência!
Quando já nada a segura!
Quando ela vira gente
E mente, mente, mente!

Penitência e mudez

Tenho andado esmaecido, às voltas e voltas
Como quem deita fora circunferências perfeitas
E de tanto girar, embranquecido me tornei.
Se não te encontrares, procura-me,
Se o acaso deixar
E se quiseres.

Dar-te-ei
Sangue e fogo,
A veias frias que tenhas cansadas;
O céu e asas,
A penas que tenhas inacabadas;
Rios e mares de noites estreladas,
E todas as estrelas que vires,
Serão tuas,
Se quiseres.

Apressa-te!
Tenho só os anos que me faltam viver.
Os outros,
Foram apenas preparo para te alcançar.
Enfim,
Nos resquícios dos meus sonhos,
Como ainda dormes, afago-te o sono
Enquanto, da seiva que me resta,
Vou banindo folhas débeis do outono
E até lá, serei penitência e mudez
E talvez,
Os restantes poemas de amor
Sejam todos para ti,
Se quiseres.

Namoradeiras a valer

Abri a namoradeiras passadas,
Janelas de candura e ousadia,
Mas as vigentes namoradas
Melhor seduzem a poesia!

Tenho enredos num armário
Embalsamados e esquecidos
De tais esculturas num diário
De reais versos e vividos!

Da minha herética janela,
Tenho de ser cautela!

Não vá quem não deve, perceber,
Que o pasto dado, que desminto,
É de quem, do que foi a valer,
Está constantemente faminto.

Poetizando...

A chuva chora,
O vento assobia
À noite e à hora
Que um luar sorria
Ao poeta que namora
Uma fingida poesia.
Porém,
Se o negro acontece
E a claridade não vem,
A tinta implode, esmorece
E o poeta também!
Ou então,
Ele não acompanha
O que o pensar debita,
E o poeta estranha
Tão generosa escrita!

Ó poeta,
Bebe, fuma e come
Desamores e dilemas,
Cafeína, cigarros e poemas,
Senão morres à fome!

Sete plantas do meu canteiro

Quem não ama o verbo plantar
E não vê plantas a poder amar,
É porque é louco ou nunca amou!
Amar plantas não é coisa de doidos
E doido é coisa que eu não sou!

A todas dei nome.

(... Caetana...)
Era perfeita! Em bruto, um diamante!
Mil jurados lhe bateram palmas de pé!
Só que o problema do “para sempre”
É ser coisa, que nunca o é.

(... Surya ...)
Olha-me, como se, em câmara lenta,
Pudesse com tal dócil e forte vontade
Dizer ao tempo: “aguenta, aguenta!”
Para um dia sermos unos, eternidade!

(... Laura ...)
Não há espigões, nós ou embaraços
Que mais amei e alguns lhe dei,
Porque outrora dos meus braços,
Foste errónea planta que plantei.

(... Débora ...)
De talo estranho e folhas doentes,
Busca-me chorosa, de hora a hora,
Como quem perde coisas frequentes
E depois de ser ralhada, chora!

(... Pilar ...)
Doce governanta a tempo inteiro,
Do cuidar e cantarolar certeiro
E talvez pela sua posição
Namoro-a um dia sim, e três não!

(... Renata ...)
De fraco porte, altiva e risonha,
Com um olhar seleto a vir de cima,
Como se não houvesse melhor rima
Que a minha poesia componha!

(... Leonor ...)
Verte um tal odor no meu canteiro,
Como se tudo fosse nada e ela veludo
Que supera todas as plantas no cheiro,
Querer, saber, beleza e talvez em tudo!

Rego-as amiúde, uma a uma,
Com o amor que pude e tenho,
Porque me dou a todas e a nenhuma
Dou o meu coração frio e estranho!

Sophia, my dear?

How to silence my sea,
Cause it's anxious, not blue?
"Sophia, look at me:
I want to kiss you!"
Because I fell in love
For what I'm going to steal,
The kiss I didn't give.
Ah, but I will!

Amor Intemporal

Amor verdadeiro é intemporal.
É perdão, zelo e admiração!
É juntos, adoçar quilos de sal,
Porque a vida não é doce.

É o “para sempre”
Ser uma tela apenas
De histórias pintadas e plenas
De comunhão e liberdade pura
Que não se esquece, perdura.

Se árvores tiverem raízes,
De tal maneira entrelaçadas,
Que não hajam cicatrizes
De ventanias sopradas;
Se sorrisos conseguirem falar,
Se olhares puderem ler
Como o cego vê sem olhar
Sem uma palavra dizer...
Ele, o amor verdadeiro,
Tê-lo-ás encontrado!
Impossível esquecer!

Conseguir apagar tais pinturas
Era esquecer o verbo amar:
Gestos únicos, sorrisos, ternuras,
Abraços que fizeram acalmar,
Preocupações genuínas e puras,
Uniões de corpos difíceis de largar
Em telas que foram só para ti!
Não é possível, nunca vi!

Não se esquece o amor intemporal.
Aprendes sem ele, a estar só.
Podes até sentir poesia conjugal
Quem sabe até dar outro nó...
Mas aquele raro vinho,
O que bebes uma vez na vida,
Ficará, quer queiras ou não,
Na melhor prateleira do coração.

Amor verdadeiro é imune ao tempo.
Intemporal por isso...

Naveguei demais...

Sei de uma pessoa
E essa pessoa sou eu,
Que em mares de lágrimas, vezes demais se perdeu.
Foram demais os desembarcadouros e cais
Onde pouco me dei e amei
E nos quais
Morri vezes demais!
E antes que morra de vez
A matar a sede em água salgada,
Queria um mar de rosas, não de estupidez!

Eu sou o mar, marujo de vocação e sem medos tais,
Que embarquei em começos e finais
Demais...
Cheirei maresias, mágoas e horas incertas,
Estive sempre aos meios-dias em praias opostas e múltiplas costas,
Sempre vazias...
Vacilei demais, remei demais, subtraí-me.
Fui, da minha conta, de menos e demais.
Naveguei muito além dela...
Perdoei tempestades e temporais,
Ignorei faróis, piratas, intuições e punhais,
Sempre demais...
Naveguei mares, rios, riachos e até lagunas.
Algumas foram lições, outras alunas
Demais...
Porque o mar não têm terra, só imensidão e gaivotas no ar,
Porque o rio lá vai como a lua, devagar
E o mar...
O mar é revolto, tem um cabo bojador e frio
E margens do rio
São fáceis de ancorar...

Acreditei
Que não havia peso no verbo acreditar
E que podia haver terra no mar!
Deve ser esta a minha sina,
Carregar coisas pesadas e lamber águas salgadas...
Tantas gotas no oceano e nenhuma é doce!
Ó mar salgado, porque não vieste adoçado?
Só que água doce
Não é o mar que a traz...

Em que luares voam passarinhos?
Em que rios estão ninhos a crescer?
Em qual das luas acreditar?
Na do céu ou na do mar?

Por isso te peço amor:
Não me vás além mar, equivocada, tentar encontrar!
E se mesmo assim, teimosa, me achares,
Devolve-me...

Porque me havia de calhar
Tão grande mar pra navegar?
E salgado ainda por cima...

Morrer em vida...

Tu e eu tínhamos um sonho!
Encontrar um lugar
Onde nos pudéssemos esconder e amar
Porque fomos feitos um para o outro
Como a noite para o escorpião!
Mas dizem astros que não!
Que não haverá aqui ou acolá
Nem um qualquer lugar...

Morrer castigado em vida ou viver errado,
Qual o maior fardo?
Palavras tuas que apedrejei e devolvi ao vento,
Maltratei borboletas que nasceram de nós,
Fiz da flor dada, uma lembrança e da recebida, uma bola de trapos...
Estou cansado de me cansar,
Do pesar da consciência pesada,
Dos porquês de um dia teres sido a mais incompreendida e a mais amada!
Cansado...
De ser floresta vazia de raízes e oxigénio,
De te procurar, porque estás em toda a parte e em parte nenhuma!
De não ouvir um sopro teu, nem ventos de mudança...
Pudesse eu voltar atrás
E não me poria na prateleira das coisas mortas e obsoletas...
Perdoa-me o que não disse, fiz ou não dei e o pouco que amei
Como eu te perdôo o mal que me fazes...
Vertem-se-me lágrimas que não caem ao chão,
Ficam todas presas nos porquês de não te poder ter
Porque também em vida se pode morrer!
Sonhava um casamento de almas em que nos imaginava
num equilíbrio que selava ambas as polaridades...
...a tua e a minha!
E tu estás tão linda...
Ainda te amo...
Ainda te choro e de vez em quando, ainda te soluço...
E sempre te amarei...
Ainda, tanta coisa...
Ainda tanto por doer e dizer...
Ainda me dóis onde a dor mais dói...
Ainda me perco nos teus olhos castanhos...
São relativos e estranhos!
Quando me olham, sérios e perguntadores, não dizem nada!
Convidam-me apenas a pedalar no lodo, sem pedais
E obrigam-me a fumar cada vez mais!
Oxalá me chamassem às fogueiras dos lençóis da tua cama,
Onde faríamos amor todos os dias...
Queria amar-te de mil maneiras e mais algumas que não esperasses,
Queria que tivéssemos sido liberdade, glória e cumplicidade...

Tenho saudades...
Do teu sorriso, do teu olhar inclinado a namorar o meu,
Das prosas de Julieta e Romeu
Que me deixaram refém
De “amo-tes” que diziamos e dos não ditos também...
Saudades...
De andar de mão dada
Numa qualquer rua, esquina ou calçada...
Dos nossos rebentos...
Os que tivemos e ainda vejo
A precisar de um beijo e tantos lhe demos!

O amor,
Se ele me sorrisse,
Eu lá estaria para o receber e matar
O que o matou um dia...
Morrer em vida são pés no chão a cair por um telhado
Que estava certo de amor,
Mas errado, sem alicerces...

A morte,
A que me foi redigida
Por um defensor dado à sorte,
Nem proferida foi ou acusação teve,
Nem fraca, nem forte!
Seria hoje morto em vida
Se me dissesses um “amo-te” aqui e agora, daqueles intemporais e sentidos.
Depois nada. Lágrimas falariam por mim.
Talvez o corpo tremesse por dentro e eu sorrisse por fora
Antes de morrer...

Está escrito nas linhas das mãos, nos corações
Que será noutro amanhã, noutro lugar
Quem sabe em Marte, num qualquer ano
Porque o meu amor é marciano,
Talvez verde e com antenas,
Como eu, maturado...
Apenas...

Se um dia te vir por aí de mãos dadas,
Que seja ao menos o teu conto de fadas,
Porque o lugar que deixastes era o meu.
Até depois...
Uma flor com um “Amo-te” lá dentro...
Toma. É para ti.

O Elevador

Oh! Filme mal-afortunado, que não teve guião nem foi planeado!

No elevador, onde não eram supostos olhares fulminantes,
Alguém pergunta — “Esse olhar, o que me fazia?”
“Calores, suores e algumas dores!” — dizia a dama do engodo...
Mais tarde, na enfermaria:
Roupas caem que nem tordos, umas inteiras, outras nem por isso!
Não se ouvem vozes! Só um silêncio submisso e o ranger dos armários...
Que bem que ela fuma o cachimbo!
Deita fumo, o chocalho! É do ‘vai e vem’, o barulho que se repete!
Da meia-noite às sete,
O que dá leite, é calvo e vai nu, fica bruto, sem tino e estouvado!
É vara que não sabe se come ou é devorada, porque ora faz peso, ora é abafada!
Vale tudo, senhores! E em todo o lado!
Línguas chamam-se, mas nunca pelo nome!
Virilhas desatam à chapada e encontrões
Porque a fome não quer travar nem a sede tem travões!

Oh! Senhores,
Que esta gente não se cansa de imitar coelhos e leões!
Nem a parrachita fica mansa, nem bagos de uva ficam anões!

A madrugada testemunha o que é digno de passadeiras e retratos,
Até qu’ele diz descontente:
“Mas que pôrra, vem lá gente!”
“E se ouvirem!” — dizia ela!
“Melhor arranjar nova morada por cautela!”
Já noutro sítio, como quem à noite rouba um museu,
Ela diz-lhe: “de força!”, pedindo mais porrada!
Diz o de canela tremida à sua criada:
“Ai Jesus! Estará ele acabado ou vai dar à luz?”

São gémeas com certeza,
D'ele a coisa tesa,
E d'ela a arte de tocar instrumentos!